Em menos de uma semana mais de 100 mil pessoas fugiram de Nagorno-Karabakh para a Armênia e o número de refugiados tem crescido exponencialmente. Este número alarmante representa 80% da população do enclave, e inclui, sobretudo pessoas em situação de vulnerabilidade como idosos, mulheres e crianças (ACNUR, 2023).
Um conflito que se estende por trinta anos, e com raízes que remontam a mais de um século teve um outro episódio: em 19 de setembro, o Azerbaijão lançou uma ofensiva militar em Nagorno-Karabakh. Em poucas horas, as forças de defesa do governo separatista étnico armênio – a República de Artsakh – depuseram as armas.
Apesar do seu aparente isolamento, o destino deste enclave montanhoso é importante e repercutirá na política global nos próximos anos. Desde Dezembro do ano passado, a população de Nagorno-Karabakh vivia sob um bloqueio imposto pelo Azerbaijão que restringia a circulação dos armênios étnicos que ali.
Nagorno-Karabakh, conhecido como Artsakh por sua população predominantemente de etnia armênia, é uma região montanhosa isolada no Azerbaijão. Devido ao seu afastamento, sempre teve uma tradição de autonomia. Geograficamente falando, é um enclave, está completamente rodeado pelo território do Azerbaijão. Politicamente, não é um enclave – isso é significativo porque sempre criou o problema de como mantê-lo abastecido e como evitar que seja cercado e bloqueado.
Situa-se no sul do Cáucaso, na encruzilhada entre três grandes potências regionais: Rússia, Turquia e Irão. O nome Artsakh era o nome de uma das províncias do grande reino armênio da antiguidade. A região tinha uma orgulhosa herança armênia mesmo na Idade Média mas esteve sempre rodeada por grandes potências, primeiro os persas e os turcos, depois o império russo a partir do século XIX. Foi absorvido pelo império russo, mais tarde pela União Soviética.
O conflito na região remonta a mais de um século. Os armênios são cristãos e os azerbaijanos são muçulmanos, no entanto trata-se mais de construção de nação e de território contestado (Carnegie Europe, 2022). Importante mencionar o genocídio que os armênios sofreram nas mãos do Império Otomano há pouco mais de um século em relação a este conflito. As estimativas do Escritório da ONU para a Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA) sugerem que entre 600.000 e 1,8 milhões de armênios foram assassinados no genocídio, durante a Primeira Guerra Mundial.
No entanto, muitos acadêmicos acreditam que esta comparação nem sempre é plausível. O conflito de Nagorno-Karabakh tem uma história separada, com os seus próprios massacres e violência incluindo limpeza étnica por ambos os lados. Também houve conflitos internacionais de grande escala em Nagorno-Karabakh, no início da década de 1990 e em 2020.
A Turquia é uma aliada do Azerbaijão. A Rússia, tradicional apoiante da Armênia, abandonou os armênios de Karabakh e aproximou-se para a Turquia e o Azerbaijão. Quanto a guerra na Ucrânia teve um enorme impacto neste conflito – a Rússia, focada no conflito a oeste, já não oferecia garantias de segurança significativas. Cada vez mais frustrada pela relutância da Rússia em intervir em Karabakh, a Armênia, anteriormente neutra, tornou-se mais contra a invasão, oferecendo ajuda humanitária a Kyiv e planeando exercícios militares com os EUA. Isso pode explicar por que razão Moscou fez pouco para evitar os acontecimentos recentes.
A ofensiva de 19 de setembro poderá alterar o equilíbrio de poder numa região mais ampla, onde a Rússia, a Turquia, o Irã e o Ocidente têm interesses concorrentes. Agora que a maioria dos armênios de Karabakh se deslocaram, o Azerbaijão pode começar a impulsionar ainda mais a sua narrativa de reintegração, afinal, existe ali uma base militar russa e o Azerbaijão fará questão de parecer diplomático onde existe presença internacional. Mas, observa-se que esse episódio seja mais um passo sombrio e, novamente, as minorias são quem mais sofrem.